sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Escritos

Compreensão e Compreender

Sempre me considerei uma pessoa compreensiva. No entanto, nunca pensei o que significava compreender e ser compreensivo. É uma das características que consideramos compreender à primeira. A minha primeira definição de compreensão era a capacidade de perceber, de me encaixar e de me enquadrar no ponto de vista de uma determinada pessoa consoante a situação. Entender a sua ação, o seu pensamento e a sua atitude. 
Acho que é a primeira definição que podemos dar. Encontrar alguém que ouça as pessoas e se tente encaixar no lado delas sem fazer grande esforço nem julgar é um dos traços que atribuo a uma pessoa compreensiva. Não significa que uma pessoa compreensiva não julgue, mas pelo menos a compreensão tem de ser no sentido de não julgar. Se julgarmos logo à partida, dificilmente nos encaixaremos nessa visão. 
É a análise dessa opinião que me faz elaborar este escrito. Esta linha de pensamentos confusamente organizada. Este despejo de considerações diretamente da minha mente para o texto como se de um derrame se tratasse. 
Voltando ao ponto inicial, sempre achei que um dos meus atributos era a compreensão. Mas perdia-me nessa noção do que é que eu compreendia e o que essa compreensão contribuía para o meu julgamento, para a minha capacidade crítica. Será que o que eu compreendia fazia de mim um ser acrítico, sem uma opinião negativa ou positiva formada, já que tentava ser objetivo e compreender o outro lado da situação? 
Se calhar, perdia-me nessa definição de propósito. Preferia não formar uma opinião subjetiva quando o meu esforço de compreensão era tão grande. Não é fácil afastar qualquer princípio que temos para compreender os princípios da outra pessoa e o que a moveu para cada situação.
Afinal de contas, as nossas ações, as nossas atitudes são fundamentadas por um conjunto de valores, de pensamentos e de ideais que nos dirigem no labirinto de opções, de decisões com que somos defrontados. Assim, compreender a reação de alguém alheio a nós significa despir-nos dos nossos ideais e dos nossos valores que moldam a nossa vida. 
O que eu nunca consegui perceber em mim era se tinha a segunda parte do julgamento. Se formava uma opinião, um sentimento, um estado de espírito consoante a situação em que fui colocado. A minha compreensão teria sido estripada dessa capacidade tão humana de julgar, de considerar e de avaliar? Também por causa desse debate não conseguia compreender bem qual a minha opinião. Sempre tentei compreender as situações com todos os lados, todas as perspetivas, todas as motivações que formam o acontecimento, mas não compreendia se o meu julgamento era feito com os meus valores ou com a adição desses outros valores que interferiram no acontecimento. 
No entanto, as situações diferentes permitem-nos compreender mais de nós a cada vez. Temos que fazer a análise da pessoa que saímos de cada momento e de cada acontecimento em que nos envolvemos. E é essa compreensão da minha compreensão que me faz escrever. 
Sei que não sou um ser acrítico. Sei que tenho opiniões sobre tudo o que me contam e sei que tenho sentimentos. Mas sempre me moldei mais para ter opiniões e não tanto sentimentos. Acho que sentir é algo muito complexo e algo que estrutura mais a nossa opinião do que qualquer valor. Somos seres que por vezes compreendemos com a nossa sensibilidade e se há momentos em que a objetividade não consegue intervir é porque há eventos que não são avaliados nem pelos valores nem pelos ideais que são tão nossos. 
É isso que me leva a escrever este texto. Porque compreendi que, apesar de toda a compreensão, de toda a capacidade que tenho e que me torna um ser compreensivo, sou um ser com sensibilidade e cuja análise das situações por vezes é fundamentada pelo que sinto. 
Ou seja, levei mais tempo a compreender a minha compreensão do que a compreender os outros. 

Raúl Amarantes

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Escritos

A complexidade do ser-humano

A complexidade do ser-humano sempre me apaixonou. Sempre me agarrou, cativou e interessou. É a nossa imensa diversidade de pensamentos, de decisões, de opiniões que tornam cada acontecimento especial e único à sua maneira. 
Mais do que essa diversidade, o que me manteve sempre o interesse foram as motivações que guiam cada pessoa, cada ser na sua decisão. E a vontade de querer algo costuma ser o que impele as pessoas a seguirem um caminho, a alterarem a sua linha de pensamento e a reconsiderar as suas opções. 
É esse querer que, no meu entender, nos torna tão complexos. A questão é o facto de que para uma mesma situação pode haver um milhão de motivações. O que move uma pessoa por amor, pode mover outra pessoa por ódio. O que move uma pessoa com desejo de mudança, pode mover outra pessoa com ambição de conservação. 
E a complexidade reside também na nossa inércia em querermos mudar. Quando nos sentimos de bem com algo, e satisfeitos, os aparentes defeitos que possam motivar a mudança não nos são visíveis. Um amor que nos mantém a auto-estima, que nos levanta o espírito de cada vez que nos levantamos da cama é algo de muita sorte. Mais do que percebermos o sentido da nossa existência no mundo, queremos sentir-nos amados. Somos seres que vivem em sociedade e a solidão obriga-nos ao auto-conhecimento. E se o nosso receio é que um dia alguém conheça o interior da nossa alma é porque também nós tememos o que vive dentro de nós. Assim, queremos ser amados, com todas as nossas falhas, impurezas, fraquezas, partes incompletas e quebradas que possa ser a nossa alma. 
Assim, a nossa complexidade reside na imensidão de motivações, de aspirações, de sonhos, de desejos que temos ao mesmo tempo que realizamos uma ação. A conversa que começamos, o sorriso que mostramos, a história que contamos, a lágrima que deitamos. Tudo o que faz parte do nosso campo de ação forma-nos e mostra parte de nós. Mostra que, no fundo, somos seres com vontade de ser amados, com vontade de sermos compreendidos, de deixarmos uma marca no mundo e não sermos simplesmente um corpo morto a vaguear pela face do mundo. 
Somos complexos porque a simplicidade não nos completa. Somos complexos porque os nossos sentimentos, as nossas motivações, o nosso querer, a nossa vontade não se guia por ideias simples. Guia-se por ideias tão complexas como a compreensão, a admiração, a paixão, a felicidade, a concretização, a satisfação, a coragem, a inspiração, a unicidade, o amor, etc. 
Não somos seres que, munidos do nosso instinto de sobrevivência, enfrentamos o mundo. Não nos basta sobreviver numa ideia de cadeia alimentar. Temos a necessidade de nos sentirmos vivos. De puxar por cada sentimento, por cada ideal escondido dentro de nós, como se estivesse aprisionado. Queremos soltar tudo o que dá energia e dá vida à vida. 
Precisamos de sentir no beijo a paixão. Precisamos de sentir no trabalho a satisfação. Precisamos de sentir no sono a tranquilidade. Precisamos de sentir na sociedade a integração. 
Precisamos de ser humanos, com toda a complexidade que isso carrega.

Raúl Amarantes