domingo, 4 de janeiro de 2015

Escritos

Ahadi*

Então, nesse dia, 18 de Setembro, o Miguel fez o caminho que já tinha feito em direção à Faculdade. Para se habituar mais, decidiu conhecer o caminho e veio uns dias mais cedo.
A sua casa ficava na Avenida Bissaya Barreto e todos os dias passava ao pé do Instituto Português de Oncologia, descia um pouco mais a rua, passava ao pé do Café Scala, subia as escadas em direção à Universidade e continuava o caminho a subir até chegar à Faculdade de Economia. 
No caminho, não via muitas árvores, via mais carros e isso era algo a que não estava habituado em Évora. 
A viagem (a pé), normalmente durava 10 minutos e isto dava-lhe sempre a oportunidade de pensar no que esperar para o dia, pensar nos seus receios, nas suas expectativas e, quando se apercebia, já tinha chegado à Faculdade. Afinal, 10 minutos, quando temos muito em que pensar, ou quando os temas são sensíveis nem para fazer a introdução dão. 

Tinha um amigo que já estava na Faculdade e estava no seu 3.º ano de licenciatura. Chamava-se Artur Sinistro, e entrou em Coimbra como 2ª  opção, mas adorou tanto o espírito e reconheceu que a diferença não era muito significativa (pelo menos para ele), que acabou por deixar o seu gosto de ir para Lisboa, para trás. 
Como o Miguel era ansioso, chegou à faculdade 10 minutos antes do acordado, mesmo tendo o Artur avisado que lhe mostrava a Faculdade e para não se preocupar com atrasos. 
Ficou então à espera e entretanto foi tentando reconhecer mais alguém de Évora, tentando perceber se podia haver ali algum colega de curso. Também teve oportunidade de apreciar o edifício e conhecer o local no qual ia passar muito tempo. 

Coimbra
O Miguel lá acabou por encontrar o Artur e estes conversaram sobre Coimbra e sobre a mudança.
- Então, que tens achado? - perguntou Artur.
- Ainda não tive oportunidade de conhecer muito, por isso não posso dizer nada de mais. - respondeu Miguel enquanto mexia os ombros para mostrar que não sabia o que dizer.
- Mas vais ver que vais adorar! Tinha o mesmo pensamento que tu, achava que não ia ser nada de mais, que ia fazer os meus 3 anos e depois esquecia isto! Mas adorei! O pessoal é todo muito próximo, preocupa-se contigo, só quer o teu melhor, acredita! 
- Sim, não vou duvidar disso! Venho de mente aberta!
No entanto, não era assim tanto com o Miguel. Continuava com um ligeiro receio do que pudesse acontecer, mas estava disposto a dar uma oportunidade e reconhecia que este era um passo importante para a sua formação. 

No fim de contas, o que o preocupava eram as promessas que tinha feito, a mudança, e por isso não tinha expectativas muito altas. Afinal, era isso que reconhecia. As promessas que tinha feito, tinham de ser promessas que ia cumprir. Respeitava muito a palavra e quando prometia algo, queria seguir com isso até ao fim, mesmo que no processo reconhecesse que devia ter feito de outra forma.
Mas foi ensinado a nunca prometer algo que considerasse impossível. Tinha sempre de prometer algo exequível, e as promessas de longa duração eram o mais complicado.
Tinha prometido não mudar, mas a sua mudança começava com a cidade, com o seu grupo de amigos e reconhecia então que a mínima mudança iria ocorrer. Mas queria-se reconhecer ao fim da viagem. 
E para o Miguel isso era muito importante. Mas agora não era altura para falar nisso. As aulas dele começavam às 11 e entretanto o Artur foi-lhe mostrando como era a faculdade. 

Falaram de Évora, de como estava a secundária em que os dois andaram (a Escola Secundária André de Gouveia) e de como o tempo passava rápido (esse ser que consoante as épocas acelera ou abranda, irrita ou alegra, mas que nunca adquiria uma figura definitiva: uma figura conhecida e que possa ser combatida). Falaram também das expectativas de cada um e enquanto as do Miguel não eram muitas, as do Artur estavam elevadíssimas - afinal, no ano seguinte ia seguir no mestrado e tinha de decidir o que queria. 
No entanto, a conversa já ia longa e então Artur decidiu mostrar a escola. 

E seria neste ano que Miguel compreenderia a força de uma promessa e a dificuldade que é por vezes manter uma, mesmo que quando esta é feita, nada se oponha. 

*promessa (em suaíli)

Raúl Amarantes. 


(Nota: este é um trabalho puramente ficcional e qualquer semelhança com a realidade é meramente coincidência)

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